quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Não demora

Seja aonde estiver, que chegue logo. Não precisa pensar duas vezes, não fique deduzindo o que é certo ou errado, apenas venha. Venha que não me aguento de esperar. Já sinto teu cheiro de longe, como bolo posto na janela e que faz cheirar em todo o quarteirão. Vem logo, que eu quero te mostrar uma música que eu descobri. Não demora.
Esqueça o que passou. Se vai ou não ficar alguma coisa pelo caminho. Se existe ou não alguém que você terá que deixar para vir. Não importa. Faça o que for preciso. Mas venha. Rápido. Quero dividir a vida.
Quero brigar pela porção de fritas, pela Coca-Cola que está no fim, pelo chocolate que você ganhou na páscoa, pelo filme que vamos alugar. Quero lhe contar o meu dia, ouvir o seu e te segurar pelo braço quando você atravessar o sinal sem perceber que ele está aberto. Quero te segurar para sempre.
Quero ter dúvidas, mas não suportaria viver só imaginando como teria sido se você estivesse aqui. Você é minha única certeza. Então venha, a hora que for. Venha que eu estou esperando.

domingo, 24 de outubro de 2010

Considerações finais

Detesto despedida porque gosto de estar junto, de falar perto, de puxar a cadeira e já ir me sentando. Detesto despedida que me força a estar longe do que quero. Ou melhor, de que não quero estar longe. Despedidas colocam entre mim e o outro um muro chamado distância. Alto. Imponente. Quase que impenetrável.
Detesto despedida porque preciso da voz. Não me perdoo quando esqueço uma. O sentir da boca desenrolando o som no ouvido é algo que eu quero e preciso, sempre.
Odeio despedida quando sou eu quem me despeço. Aliás, em toda despedida, a gente sempre acaba tendo que se despedir mesmo, sejamos nós os que partimos ou não.
Detesto despedida, principalmente, quando não consigo dizer tudo que gostaria. Odeio despedida que me deixa arrependido depois. Odeio despedida que não me tira todas as palavras. Se é para ir, que vá. Mas que vá com tudo que eu precisava deixar.
Detesto despedida que não me pede rescisão de contrato. Aquelas que vão como se não tivessem nada para dividir. Odeio despedida que me cobra a prazo. Detesto despedida que parece indiferente. Odeio despedida que não parece o fim.
Detesto despedida porque não gosto de estar longe. Odeio despedida porque gosto de você.

sábado, 23 de outubro de 2010

Mania de cozinheiro apressado

Sou ansioso com texto. Basta começar um e já fico afoito pelo final. Não pode ser qualquer desfecho. Não me contento com qualquer história. Imagino um texto como um um prato. Torná-lo bom ou não é ofício do cozinheiro. Selecionar os ingredientes, misturar no momento certo, para, no final, fazer tudo ficar saboroso, não é trabalho fácil. Nenhum trabalho é fácil. Um prato bem feito, assim como o texto, são ambos irresistíveis. Difícil é torna-lo assim. Difícil é fazer um texto que te devora pelo olho. É ele quem te convida a comer.
Na arte da gastronomia, sou um irremediável amador. Meu prato nunca fica com o gosto que eu queria. E basta tornar a olhar, para querer mudar o tempero. Botar um pouco de sal aqui. Deixar um pouco mais doce. Misturar com um tanto de limão. Refazer tudo.
Busca interminável pela satisfação, acabo servindo do jeito está. Não me permito alterações. Sou ansioso com texto.
Mania de cozinheiro apressado, não consigo esperar sair do forno. Sirvo sempre cru. Ou passado demais. Jamais cheguei ao ponto.

sábado, 16 de outubro de 2010

Sagrado ofício

Escrever é meu dogma. Sempre foi. Escrevo para me exorcizar. Fazer um texto é meu altar. As palavras são meus santos, que eu coloco ordenadamente no lugar. Rezo para cada uma delas. Cada qual tem seus caprichos, não posso trocá-las umas pelas outras. São Miguel não casa ninguém. Santo Antônio não tinha cachorro. Não são todos iguais. Assim como elas.
Escrever é exercício de fé. Cada palavra exige sua própria oração.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Você é fraca

Você tem medo e por isso foge. Foge agora para não ter que fugir de todos os pensamentos que invadirão sua cabeça depois. Foge para não ter que explicar para ninguém o porque do seu afastamento. Foge de mim porque acha que daqui a pouco estará fugindo de você e teme não saber achar o caminho de volta.
Você tem medo e por isso termina. Termina com medo de começar. Termina com medo de se envolver. Tem medo de tropeçar com a linha da vida. Tem medo que a linha da sua vida dê nó em outra e você não consiga mais desatar.
Você tem medo de pensar em mim mais do que em você. Tem medo de ligar, todo o dia, para perguntar obviedades. Tem medo de não conseguir estudar. Tem medo de não conseguir trabalhar. Tem medo de esquecer sua família. Tem medo de só pensar em mim.
Tem medo de perder a independência. Tem medo de perder a solidão. Tem medo de perder quase tudo.
 Luta contra o amor, com medo de se prender. Mais do que isso. Tem medo de não se soltar nunca mais.
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Medo de interromper o que recém iniciou, de começar o que terminou. Medo de faltar as aulas e mentir como foram. Medo do aniversário sem ele por perto, dos bares e das baladas sem ele por perto, do convívio sem alguém para se mostrar. Medo de enlouquecer sozinha. Não há nada mais triste do que enlouquecer sozinha. Você tem medo de já estar apaixonada. (Depois que escrevi, percebi-me fortemente inspirado pelo meu amigo Fabricio Carpinejar)

sábado, 9 de outubro de 2010

Epílogo da tentação

Ela o viu como em outras épocas. Ele a olhou, como sempre. Mas não era qualquer dia. Eram dois anos depois.
Ele estava o mesmo baú, com tudo que já era seu guardado dentro. Ela era o mesmo livro, mas com outra história. Quase nada era igual. Ele via que alguma coisa que conheceu ainda existia ali, mas era tão pouco e insuficiente que nem sabia dizer o quê. Era livro velho com história nova. Era mudança que veio sem se esperar. Ele, o baú, a via admirado. Ela, o livro velho, com a capa cheirando a nova, só desfilava pela estante. E então ele percebeu que o livro só era velho em sua cabeça. Ela estava nova. Seus cantos redesenhados, as dobras das folhas já nem existiam mais. Era a mesma, só que diferente. Diferentemente interessante.
Ele não hesitou. Pegou o livro e de súbito começou a ler. Quanto mais lia, mais se surpreendia e mais queria. Quem haveria reescrito? Não importa. O que importa é que ele gostava. Estava bom e ele queria mais. E mais. E mais.
Sem parar, com ela nas mãos, leu dos pés a cabeça. Cada linha era um mundo que ele ia descobrindo frase a frase. Cada final lhe convidava pro início.  Epílogo da tentação. 
 Ele nunca mais parou.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Gênesis

No princípio era ela. E todas as coisas dela vieram.
A água que lhe escorria pela face enchia o mundo. A ponta de seus dedos esculpiam os relevos, as rochas e as relvas. Seu sopro fazia crescer tudo que tinha vida. Não havia palavra que não saísse de sua boca.
Na medida que ria, dava brilho ao sol. No oposto, era a lua que se iluminava. Porque tudo nela era claro. Era de luz até sua escuridão.

sábado, 11 de setembro de 2010

Carta para o quase amor

Escrevo esta carta para registrar todos os encontros que nunca tivemos. Escrevo para me lembrar de todas as luas que não pudemos olhar. Meu quase amor, que você não se esqueça de todos os convites que eu não lhe fiz e que não esqueça também as desculpas que nunca precisou dar.
Escrevo pra eternizar as noites que planejamos ficar acordados sem nos importar com quantos dias seriam precisos para compensá-las. Ah! Escrevo por todas as sessões de cinema que não perdemos, por todos os teatros que não fomos e por todos os dramas que não choramos. Escrevo também pelos filmes de terror que você não chegou mais perto. Aliás, escrevo por todas as vezes que você não chegou mais perto, seja por falta minha ou tua.
Não posso esquecer de citar todas as brigas que não pudemos ter tido e todas as voltas que só as essas brigas poderiam proporcionar. Escrevo por todas as mãos que não se entrelaçaram. Escrevo por todas as vezes que os olhares não se perderam dentro das tantas vidas que vivem neles. Quantas vidas cabem no seu olhar? Ainda não descobri, mas escrevo por todas elas também.
Escrevo pelo sol que não pôde iluminar com mais força nossa pele e por todo pássaro que não poderá fazer coral para nossa passagem. Escrevo por todos os caminhos que não poderão sentir os meus passos tão desalinhados ao lado dos teus.
Escrevo a você, que chamo de quase para não afirmar a ausência, sem pudores. Escrevo para deixar gravado tudo que não pudemos viver, por falta minha ou tua, isso já não importa.
Deixo registrado até o que dói em mim. Mas que não seja só. Quando você voltar, já não serei mais o mesmo. Então além de todas essas coisas, escrevo também pelo amor que você não teve. E talvez, nunca terá.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Isso também passa

É tudo sem importância.
­As coisas todas!
Me entristeço
Pensando nisso

­Quase tudo
­Não vale o esforço
­É pequeno demais
Para a vida

­Não vale a raiva
­Nem o rancor
­Não vale a mágoa
­Nem a dor

O que vale disso tudo
E sobra mesmo no final
É o amor que se tem
muito mais que o carnal

sábado, 4 de setembro de 2010

Agora não mais

Um dia fui quem você procurou.
O primeiro da sua lista de contato,
Aquele que te vinha a cabeça antes de qualquer coisa.

Um dia fui quem você sonhou.
O cara que chega de cima do cavalo branco.
Aquele com que cada beijo é sempre o primeiro.

Um dia fui o que você quis.
O seu ator preferido.
A sua canção preferida.
O seu preferidamente melhor.

Um dia fui e hoje sou lembrança,
Sou pergaminho na história da tua vida.
Tudo que eu fui não tem mais importância,
Você nem lembra mais de mim.