quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Deve ter sido muito para você

Deve ter sido muito para você um olhar que te atravessasse, que não te notasse pelo meio, nem pelas bordas. Deve ter sido muito para você alguém que te visse inteira em cada parte tua, que por medo ou resistência tola, você insistia em dividir.
Deve ter sido muito para você uma mão que não soltasse a tua ou um abraço que não se abrisse logo depois do aperto. Deve ter sido muito para você imaginar alguém que não fosse embora no dia seguinte; ou que pedisse desculpas por ter se esquecido de ligar devido a algum eventual atropelo da rotina. Deve ter sido muito para você imaginar alguém que te ligasse para não falar nada. Falar pelo silêncio é das intimidades mais desonestas que existem – e você sabe disso, tão bem quanto eu. Quando não se troca mais palavra, aprende-se a falar pelo canto do olho, pela ponta do nariz, pela parte caída da orelha – pouco importa por onde, na verdade, pois quando não se troca palavra, o corpo inteiro vira boca. Deve ter sido muito para você imaginar um corpo que se beija e se comporta feito língua.
Eu imagino que deva assustar quando alguém vira o binóculo para olhar para dentro. É mais fácil ser leve. É mais fácil ser folgaz, líquido e leve, como uma pena que paira no ar, mas não sabe reconhecer o pássaro de que se desgarrou. Acha que nasceu pena solta, e voa. É só uma pena que voa. É bonita porque voa. É encantadora porque voa. E só.
É mais fácil ser leve sozinha do que dividir o peso da perna com alguém. Mas para te falar a verdade, conclusiva e definitivamente, não sei bem porque me dei ao trabalho de lhe escrever estas amargas linhas. Deve ter sido muito para você ter chegado até aqui, afinal, você nunca soube mesmo escutar os meus silêncios.