quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Por que eu gosto de você


Não sei se pela tua branquidão de porcelana ou se pela delicadeza do toque dos seus dedos, finos e firmes, enquanto enxuga o meu suor.
Não sei se pelo teu descaramento velado ou se pela tua timidez ousada.
Não sei se pela nossa diferença ou se pelos caminhos tortos que nossa mente toma e, sem saber também porque, acaba por se encontrar no final das coisas todas.
Não sei se pelo jeito que sorri nas fotografias ou se pela cara de sono quando me acorda atrasado pela manhã.
Não sei se pela mancha de lagoa no seu braço esquerdo ou se pela cicatriz discreta nas tuas costas.
Não sei se pela impaciência da incompreensão ou se pela gentileza do ouvido quando a lágrima cai.
Não sei se pelo jeito que me observa caminhar ou se pelas cócegas que descobre em mim mesmo depois de já ter adultecido.
Não sei se pela vontade de ter mais vidas ao teu lado ou se por sentir que cada dia com você é uma vida que aumenta.
Não sei se tudo há de ter uma explicação, porque você foi um desses descaminhos que tomei na vida e, quando me vi, já estava amando.
Por que eu gosto de você há de ser um mistério irrespondível. 
E que ele me obrigue, então, a permanecer ao teu lado em busca da resposta, que nunca virá.
Imagem e frase do escritor Fabricio Carpinejar


segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Eu te amo e etc


Eu te amo e não sei mais começar uma frase que não tenha o amor como sujeito. Eu te amo e desaprendi vocabulário, ignorei o léxico e desobedeci a semântica para poder me declarar. Eu te amo e vamos dormir porque está tarde e amanhã vamos acordar cedo. Eu te amo e virei de costas porque eu sabia que você viria. Eu te amo e desliga você primeiro. Eu te amo e sem a tua mão pousada sobre a minha barriga eu já não consigo mais dormir. Eu te amo e sem você ao meu lado o mundo é todo em tons de cinza. Eu te amo e vamos ter que comer macarrão de novo. Eu te amo e faz um lanche para mim. Eu te amo e acho que estou enjoado com tudo isso que a gente misturou. Eu te amo e Roberto Carlos. Eu te amo e você é muito boba por achar que eu quero que você vá embora. Eu te amo e vamos deixar o passado passar. Eu te amo e você é a melhor coisa que já me aconteceu. Eu te amo e quando abrir a janela vou dar a noite como encerrada. Eu te amo e isso ali na janela é o sol. Eu te amo sem nem saber que era isso que era o amor. Eu te amo quando ainda achava que já tinha amado. Eu te amo e para de roubar o meu lençol de noite. Eu te amo e larga o celular um pouco e me dá atenção. Eu te amo até quando parece que não tenho motivos para te amar. Eu te amo e quando não tenho motivos para te amar é quando eu te amo mesmo. Eu te amo e seu cabelo ficou lindo. Eu te amo e você é linda. Eu te amo e acho que não posso falar isso a essa hora. Eu te amo e você sabe o que eu vou lhe pedir. Eu te amo e já nem sei o resto da frase que pretendia lhe falar. 
Eu te amo e três pontinhos. Eu te amo e etc.
Imagem e frase do escritor Fabricio Carpinejar


quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Classificados


Procura-se moça para preencher vaga de "namorada"

Requisitos:
- Ser bonita, leve e particular. Qualquer beleza não interessa.
- Possuir algum domínio em traumas de infância e apresentar conhecimento em relação à confusão da psique humana.
- Ter vontade de conhecer a si e ao outro, sem medo de aprender e, principalmente, com muita disposição para errar.
- Ter um desejo irremediável de se descobrir e saber perceber que a graça disso está na busca, nunca no fim.
- Não ter medo de contar estrelas e ouvir o barulho do azul.
- Gostar de cafuné antes de dormir e depois de acordar e no meio do dia.
- Saber rir no meio da briga e entender que o Inverno não tarda em virar Primavera.
- Saber sentir o cheiro da manhã é um diferencial.

Se você acha que tem alguns –ou todos- desses requisitos e se interessa pela vaga, basta fechar os olhos e sorrir. Aliás, se você está lendo este classificado agora, significa que esta vaga já foi preenchida.
Pedimos desculpas pelo transtorno e desejamos toda a felicidade das frutas que maduram para a escolhida. Esperamos que ela saiba arvorecer e gritar de verde o cheiro da chuva.
(Portrait of Madame Henriot - Pierre-Auguste Renoir)


domingo, 8 de julho de 2012

Promete que não vai


Promete que não vai embora. Diz para mim, bem devagar, que não vai embora rápido assim. Quanto mais devagar você diz, mais tempo demora e eu, fico daqui só te observando. Não sei se você sabe o quanto é bom te ver, como quem procura sem motivo, como quem acha sem perder, só te ver, de relance, numa tarde de um dia qualquer da semana. Já está escurecendo, está tarde para você ir. E eu vi na previsão do tempo que talvez comece a chover. É perigoso sair na chuva e de noite, então fica aqui que você não vai correr nenhum desses perigos.  Como é? Eu sei que você acha que meu olhar é um perigo e que corre muito mais risco aqui, mas eu me preocupo contigo. Além do mais, está frio e você ainda corre o risco de pegar um resfriado. E do jeito que é, vai botar a culpa em mim ainda. Eu sei que talvez esteja sendo um pouco egoísta. Está bem, eu admito que estou sendo totalmente egoísta, mas como eu faço para não ser? Você que é tão leve e solta, me ensina essa história de não precisar. Eu não sei viver assim, eu só sei viver precisando. É quase uma condição urgente na vida, eu como, durmo, mijo e preciso. Desculpa se coloquei o preciso junto da outra coisa, mas é que a flor-de-lótus nasce da lama e, as vezes, é preciso um pouco de sujeira na vida. Estou começando a desviar do assunto e quando faço isso, acabo nunca conseguindo falar o que realmente quero. Vamos ser francos, uma hora você vai ter que ir. Eu poderia me alimentar dessa esperança boba, de que você vai ficar aqui para sempre, de que não vai largar a minha mão, mas uma hora isso vai acontecer. Então não adianta. A vida atropela a gente mesmo e o nosso encontro foi qualquer acidente desses que a vida tem. Façamos então um trato: volta amanhã. Eu sei que está de noite, e que mesmo com o frio e a chuva, você insistirá em partir. Então não adianta lhe pedir para ficar. Você vai embora, dorme, mas volta amanhã? Aliás, volta daqui a pouco. Isso! Façamos assim: Você vai embora, dorme e volta urgente. Volta logo, volta breve, volta daqui a pouco. Vou piscar o olho e, de repente, você vai estar aqui. Que tal? Não demora aparecer, pois eu morro. A maioria desses poetas sai pelas ruas dizendo morrerem de saudade. Eu não, digo só para você e aviso: eu morro mesmo. E não demora muito, morro mais. Já morri várias vezes na vida. Espera. Não adianta apertar o botão várias vezes, o elevador não vem mais rápido.  Só espera. Tem certeza de que esse casaco basta? Então tá, você é quem sabe. E a gente se despede como? Já é quase amanhã e é amanhã que você vem. Então eu digo “até amanhã” e a gente finge que amanhã é longe? Ou você espera mais um pouco e eu digo “até hoje”, como se hoje fosse só daqui a uma semana? Então tá. Ah! Já ia esquecendo o guarda-chuva. Isso, agora sim. Você tem essa mania engraçada de me matar de saudade com qualquer partida. Eu sei que você precisa ir, então é isso. E como você sugeriu, até daqui-a-pouco - com a gente fingindo que daqui-a-pouco é só no mês que vem, para eu poder morrer de saudade se você aparecer no próximo minuto.

domingo, 4 de março de 2012

A última carta

Estimada Roberta,

Estranho pensar que lhe escrevo esta última carta. Aliás, estranho pensar que ainda lhe escrevo alguma coisa, já que a razão e o bom-senso me dizem desesperadamente para não lhe deixar nem receita de bolo, nem bilhete debaixo da porta, nem papel amarelo colado na geladeira escrito: “Fui ali e já volto!”. Eu sei disso tudo. Mas acontece que tem uma, duas ou talvez trinta e tantas coisas que ficarão sem ser ditas se eu, simplesmente, parar de lhe falar ou de lhe escrever essa carta. Então é preciso que ela exista, mesmo que ela não mereça existir. Ou melhor, mesmo que você não a mereça, nem por um parágrafo, nem por uma linha sequer, ela existirá para falar o que não pude ter lhe dito.
Antes de começar qualquer parte, devo reconhecer que fui um bobo nessa história. Fui um bobo porque pequei pela esperança, mas ingenuidade não é álibi para coisa nenhuma, então o que me vale é vestir a carapuça, apertar o cinto e seguir viagem. Mas me diz, com toda sinceridade: desde o início, desde o comecinho, da hora, de quando a gente reapareceu um para o outro... foi sempre vingança, né? Ou algo perto disso. Eu não estou aí para ouvir a sua resposta, mas pode falar. Olha para a janela, para a lua, para onde você quiser, mas fala. Foi desde sempre só uma vontade de brincar, manipular e querer estar por cima, não é? Isso que chamam de autoestima por aí. Todo esse jogo que você criou, camuflado de “história complicada”, te fazia bem. E eu fui um bobo por não ter percebido isso.
Eu fui acreditando nessa tua conversa furada, nesse teu medo desenfreado que te deixava imóvel, mas que não te limitava a falar todas aquelas coisas que você bem sabe quais são. Essas coisas todas que me fazia chegar perto só para depois sumir e ter o gosto de ser procurada. E vivíamos o abismo, onde lá, eu ia te amando quietinho, sem mandar cartas, sem discar o seu número, sem passar em frente a sua casa. Afinal, de que adianta gritar para meio mundo ouvir o quanto nós tínhamos que ficar juntos se você não era –e é- capaz de mover um dedo para que isso fosse possível? De que adianta cobrar resposta e reclamar dos teus afetos com os outros ‘carinhas’, se você não dava um único passo na minha direção para que eles vissem para onde o seu destino aponta? Eu nunca entendi o seu esforço -sempre muito intenso- de me fazer crer e ter toda a certeza do mundo de que eu sou o cara da sua vida, se eu sequer podia fazer parte dela.
Não é minha intenção fazer discurso demagogo e muito menos uma espécie de revolta dos derrotados. Acontece que você foi me dando todos os sinais do mundo de que era só um jogo doentio e vil, e eu fui me negando a enxergar todas as evidências. Acontece que você era capaz de me falar aquelas coisas todas e dizer que sentia medo e pane, mas era capaz de ir para outro país, com a consciência de pluma, para encontrar um outro sujeito. Acontece que você foi capaz de me falar isso, já se despedindo pelo canto da boca, enquanto eu estava há uma ou duas quadras da sua casa, querendo te encontrar em qualquer final de tarde ou de noite, todo esse tempo. Você não era obrigada a me encontrar, claro que não. Mas você dizia que queria, mesmo, muito – e isso é o mais cruel, vil e cínico dessa história toda. Ou eu que fui um enorme tolo e bobo. Aliás, se for esse o caso, você deve estar se divertindo por agora. Talvez seja isso que eu tenha sido mesmo, um entretenimento pseudo-tolo-afetivo.
E então eu fui sofrendo, aos pouquinhos, mas sempre com um tanto de esperança, afinal, mal conseguia ver os sinais tão claros, por causa das tantas estrelas que você me colocou na ponta dos dedos. Mas a vida vai seguindo, as roupas vão desfiando, os sapatos alargando e chega uma hora que o coração não aguenta mais. O meu, por exemplo, terminou de quebrar todo de você quando passei, por esses tempos, passei pela frente da tua casa e lá estava tu e um carinha sentados no nosso banco. Percebeu esse meu jeito bobo de falar? Eu falei ‘nosso banco’ quando, na verdade, ele só devia ser ‘nosso’ para mim e eu nunca percebi. Lá estava tu e um tal sujeito qualquer, do mesmo jeito que ficávamos. Você contava uma história, ele cruzava as pernas, você punha a bolsa no colo e gargalhava enquanto mexia as mãos – lhe parece familiar? Tive vontade de gritar. Avisar para ele qualquer coisa como “toma cuidado” ou só um modesto “fica esperto”, já que cuidado e esperteza me faltaram durante esse tempo e, se ele estivesse entrando agora na história, seria bom já ir prevenido – se bem que, me acredito, poucos teriam persistência e a dedicação que eu tive. Se é mérito ou demérito, ninguém há de saber.
Não tenho nenhuma grande pretensão em relação a esta última carta, e muito menos, a esperança –e vontade- de que ela consiga despertar qualquer coisa especial em ti. Já ficou mais do que claro para mim, aliás, que a única coisa que parece despertar qualquer coisa especial em ti são os textos que você mesmo escreve. Mas não estou de total certo; talvez possa estar confundindo o eu-lírico com a Roberta fria e humana por conveniência que eu conheço.
Escrevo esta última carta, então, para deixar também um pouco do feio e do sujo de você que estava morando em mim. Não é justo lhe deixar ir embora só com as coisas bonitas, já que aqui, dentro de dentro de mim, é tudo muito mais cinza e nublado do que um dia irá conhecer.

Bem, obrigado.
Não sei de você teve a paciência e a delicadeza de chegar até essa parte da carta – aliás, se está lendo essa frase agora, já é sinal de que está progredindo e, arrisco dizer, que teve mais delicadeza com ela nesses poucos minutos do que teve comigo durante todo esse tempo.
Por isso o meu obrigado.

                                                    Boa sorte na vida, até qualquer dia,
                                                                                                 Leo.



Ps: Peço que perdoe esta última carta por ter sido digitada, ao contrário de todas as outras discursivas. Acontece que a vida anda por demais corrida e eu não teria tempo e disposição para lhe cometer o esforço de transcrever todas as páginas. Talvez você nem leia. Ou quem sabe, talvez nem mereça mesmo.
The Girl with a Pearl Earring - Johannes Vermeer (1665)

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Que seja leve a sua chegada

Que seja leve a sua chegada, é tudo que eu peço.
Houve um tempo em que eu queria que você chegasse fazendo alarde, gritando pela rua, arrombando a porta e a vida sem se importar em fazer estrago. Eu já quis que viesse de qualquer jeito, sem se preparar, carregada de traumas, com a mochila aberta. Só que quando finalmente veio, era ruim, pesado, mais doía do que deixava feliz e, por força da incompreensão, tive que deixar de lado. Ou melhor, deixar para trás, jogar fora, como roupa velha que, acredita-se na doação, deve ter serventia para alguém.
Então eu tive vontade de sair por aí, tomar qualquer ônibus que passasse na rua de trás, descer no primeiro ponto que me parecesse verdadeiramente desconhecido e, quem sabe lá, estaria você, sentada, me esperando por todo o tempo que eu não apareci. Mas sabe como é - a vida corre, a gente afrouxa e vai deixando as vontades e os sonhos passarem pela vida e virarem memória. Curioso que na gramática da língua inventaram até um tempo para o verbo ser assim: futuro do pretérito – aquilo que seria de um jeito se não já tivesse sido de outra maneira. As vontades e os sonhos passam pela gente para virar futuro do pretérito, esse é o tempo verbal da nostalgia.
Não era sobre isso que eu estava a falar, mas você bem sabe como é – os amores e os textos vêm aparecendo na nossa vida por caminhos tão misteriosos que tudo que posso fazer é me desculpar e seguir em frente. Pois bem, hoje eu espero que a sua chegada seja leve e doce. E que seja igualmente leve e doce às coisas todas que venham com você. Chega de atropelo, de coração na mão. Chega de esperar o que não vem, de desejar o que não pode. Chega dessa história de aceitar amor não correspondido, de admitir falta de resposta, carinho, afeto, ou o pior de tudo, de tolerar ausência na presença. Não dá mais para aceitar estar-sem-estar. A verdade é essa - passamos tanto tempo aceitando essas migalhas afetivas, esses restos e pedacinhos de amor, que esquecemos que o que a gente merece é ser feliz. É isso então! Não é questão de grito, de arrombar, de fazer barulho, nada disso. É só uma espécie de autopreservação emocional, sabe? Eu já estava meio sem acreditar, sem saber ao certo como seria, até que você apareceu e me fez decidir tomar para mim o direito de ser feliz.
Então, antes de tudo, um pedido: Que sejamos leves então, nós dois. Como uma pluma. Como uma brisa no pescoço. Como a hora que passa sem se ver. Não importa como, mas sejamos. Eu preciso disso, você não sabe o quanto. A vida andava muito pesada até você aparecer.
A noite estrelada - Vincent Van Gogh

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Quando morrer é só emagrecer

Começo este apanhado já pedindo desculpa aos que seguirem o caminho destas linhas um tanto tortas.  A partir daqui, é tudo confuso até para mim. Por isso, se há curiosidade, existe o convite. E todo o resto que vier a partir daí é coisa nossa – minha e tua, descoberta junto. Afinal, o que é um texto quando ninguém lê? O que é uma rua quando ninguém passa por ela? Sobre isso já escrevinhou Drummond, possivelmente numa tarde nublada de meio da semana, arrisco dizer. É engraçado como tem texto que deixa na gente um gosto de segunda-feira, uma vontade de espreguiçar pelo final da tarde... Espero que compreenda este devaneio bobo e seja sensível para perceber o real intuito dessa mensagem, que vem logo a seguir, sem romance, sem fábula, sem enfeite. A vida mesmo é dessas prosas confusas que sequer Nelson Rodrigues deixaria de se surpreender.
Enquanto andava pela calçada, pus-me a distrair na conversa de um pai com seu filho. O sujeito empurrava um carrinho com um bebê, enquanto ao seu lado, margeava uma criança, com uniforme de capoeira e toda a vontade do mundo para contar sobre seu dia. Acompanhei a cadência do passo e a pegada marcava o ritmo da conversa. Esquerda na frente, ele comeu macarrão no almoço “com alguma outra coisa que a tia disse que fazia bem, mas que tinha um gosto horrível.” O pai fala que “devia ser salsicha” e, inconformado, rebate “salsicha não é um cachorro?”. Direita na frente, ele não quis dormir depois do almoço, caiu “do lugar mais alto do mundo, pai, você tinha que ver hoje no recreio”. Deixei-me levar pela conversa.
Até que, de repente, o menino reage exclamado: “Olha pai, aquela flor que a gente tinha visto! Ela está diferente, né?”. A flor era dessas que vive nas calçadas de qualquer lugar. Dessas sem nome, dessas que os namorados não se presenteiam, dessas que as mães não ganham, dessas que os caixões não sentem por cima de si. Uma folha sem importância, mas que, por qualquer que fosse o motivo, o menino havia elegido adotar na vista o acompanhar de seu definhamento. O pai tenta consolar e logo avisa “ela está morrendo, filho”. O menino tira o olhar da planta, vira-se para o pai com compaixão e diz, com a voz serena, quase sussurrando: “- Não pai, ela não está morrendo. Está emagrecendo”.
Hei de confessar que poucas coisas me interessam mais do que uma criança que ainda consegue escutar o cheiro do azul - e essa, meus amigos, parecia ser capaz até de enxergar o som dos passarinhos. Ele havia feito uma revelação ao mundo, naquela esquina, falando baixo, quase sussurrando. As palavras daquele garoto entraram em mim como um sopro de lucidez. Ora, ele estava certo! O que é o desamor senão um amor que passa fome? O que é estar alegre, senão, emagrecido na tristeza?
Afinal, o que é morrer senão emagrecer de vida?
Zdzislaw Beksinski