sexta-feira, 27 de maio de 2011

Para que ela me leia

Para que ela me leia
Não posso escrever difícil
Mas dificilmente escreverei como ela quer

Para que ela me leia
Não posso ter dúvida
E nem certeza demais

Para que ela me leia
Não posso pedir muito
Mas parecer um tanto indiferente

Para que ela me leia
Tenho que fingir que não importo
E deixar o papel meio amassado

Para que ela me leia
É preciso ter paz
Mas um pouco de inferno também

Se ela não me ler
Nem triste vou parecer
Quero minha alma furada
de silêncio

Mas no final
O que escondo e não direi
É que tudo que quero
É ser descoberto por ela
 O gênio, a mulher e a leitura - Vincent Van Gogh

quarta-feira, 18 de maio de 2011

La fille sur le train (a menina do trem)

Comprou o bilhete e deixou a roleta passar.
Suas costas passavam pelo mundo.

Um carro não viu o avermelhado do sinal
E seguiu.
O cachorro que passava na rua quase
morreu.
A moça voltando do trabalho só queria
Dormir.
Mil vidas e o dobro de sonhos
Passam pela porta recém-aberta.

A menina chora no vagão,
Mas ninguém teve tempo de ver.
O que será da vida dela?
Penso que alguém possa ter morrido,
Ou o sujeito que a amava,
Subitamente tenha desistido.

Ouço o apito e me desfaço daquela cena.
Nunca saberei o que acometeu a pobre moça,
Nem estarei presente quando a lágrima secar.

Na minha memória,
Ela viverá para sempre como foi.
E enquanto este rabisco existir,
Para sempre a menina irá chorar.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Só o provador diz a verdade

Mais do que roupas, a mulher divide com o provador uma cumplicidade de melhores amigos. Afinal, ele é a única testemunha do que ela jamais usará.

É no provador que a mulher se descobre, não em casa. O espelho de casa é viciado em fingir que não vê. Como a Rainha, de Cinderela, o que ouve em casa é sempre o que tem de especial. O vidro doméstico é lapidado para exaltar virtudes. Pode tudo estar ruim, mas só o que é belo será visto.

No provador não. Entrar em um é como ir para a guerra de pijamas. Não veremos nossas virtudes, mas aquilo que tentamos esconder. O espelho se encarregará de examinar. Trocaremos de roupa conscientes disso. Nos conheceremos pelo olhar do outro. Não adianta tapar. Não adianta fingir. Não adianta fazer-se de desentendida. Ele estará lá, soberano, como um Reality Show estético, mostrando tudo aquilo que o doméstico tentou esconder.

Não se é visto pelo provador, mas analisado. É o olhar do outro que vai nos dizer se a blusa verde fica boa, se as calças estão apertadas ou se está na hora de frequentar o Vigilantes do Peso.

Nenhum será igual ao outro. Cada loja abriga em seu provador um senso de humor próprio. E a mulher, ao longo da vida, vai descobrindo com qual tipo tem mais afinidade. Não é a roupa que vai determinar o gosto pela loja. Não é a variedades de cores das peças. Nem se o vendedor foi ou não simpático. Nada disso importará, se o desempenho naquela casa dos espelhos não for bom.

Entrar num provador é assumir o risco de ser visto. É aceitar o despudoramento do olhar estrangeiro. A mulher não compra uma roupa quando gosta dela. Ela compra quando consegue flertar com esse olhar.