sábado, 20 de fevereiro de 2010

Botão

 Corria pela rua como se nada mais importasse. Os rostos passavam tão rapidamente que já era impossível reconhecer alguém. Rua cheia, esbarrava nas pessoas, tropeçava nas próprias pernas. Pisou na poça, molhou o sapato, sujou a calça, mas isso já não importava. Correu muito, não se sabe por quanto tempo, nem por que. Tudo que se sabe é que deu a noite e ele parou. Assim, sem explicação. A lua reinou e ele parou. Sentou. E começou a chorar. Estava numa rua escura, ora por ser noite, ora pela luz estar fraca. Não passava uma só pessoa para perguntar quem era aquele homem e por que correra tanto para ficar ali, estático, chorando, no chão.
 Enquanto chorava, o homem ia desabotoando a camisa e à medida que tirava, cada botão, era como se tirasse um pouco de sua vida. Um botão era a infância castigada. Outro a juventude transviada. E por último, era a vida miserável que levava agora. Despia-se da roupa e de tudo que fazia-lhe mal. Até que tirou os sapatos, a meia e por fim, ficou nú. Deitou-se no asfalto frio e a desgraça tirava-lhe o pudor. Adormeceu. Enquanto dormia, a morte beijou-lhe a face e seu coração de tanto bater acelerado, parou. "Que alívio!" pensou ele.  ­Depois de morto conheceu a vida. Agora, ele era mais feliz.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Não tinha

Não tinha emoção,
Não tinha graça.
Até gostava,
não vou negar.
Não era paixão,
Nem era amor.
Era tudo,
que eu não consigo explicar.
 

A gente nunca sabe quando está vivendo um momento inesquecível.

 Tem uma série de coisas que eu trago comigo e que pra mim, são inesquecíveis. Não falo das conquistas sociais que se espera que todo ser humano tenha, como atingir a maioridade, acabar o colégio e nem nada desse tipo. Eu falo de algo muito maior e muito mais intenso do que isso, algo que surge, espontaneamente, dentro de si, com força tamanha pra não ser capaz de se alterar por nada.
 Um abraço, um entardecer, um cheiro, um olhar. Aquela risada que você deu com os amigos ou aquela vez que você chorou copiosamente e alguém, mesmo sem entender, te apoiou. Aquela conversa que surgiu despretensiosamente num dia de semana e que significou tanto pra você. Ou mesmo aquele dia em que palavra alguma foi dita, mas que nada, seria melhor que o silêncio. Pessoas, palavras e sentimentos.
 Existem momentos que eu jamais vou esquecer. Não são momentos extraordinariamente bem elaborados, mas são momentos que na simplicidade de serem, espontaneamente se tornaram especiais. Se me perguntassem hoje, o que eu sou, talvez diria apenas isso: o resultado e consequência de infindáveis e inesquecíveis momentos.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Diálogo do dia

- Você é totalmente cego?
- Pra não dizer que não enxergo nada, eu só vejo a luz.
- Ora! Você vê a luz, já conhece o sentido da vida. Eu tento ver a luz e não consigo!
- Vou te dizer uma coisa: É mais fácil ver a luz de olho fechado.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Carne viva

Te sinto
em carne viva
viva!
te sinto o sangue
quente
a correr rápido nas veias.
a respiração acelerada,
o coração batendo forte,
a veia pulsando firme,
e o peito, a subir e descer
Sempre, intensamente, assim.
Sim, apesar de tudo,
és tão viva...
( adaptado de "Eu estou aqui", Diálogos a Sós )