terça-feira, 3 de novembro de 2009

Ultrapassado no próprio tempo

Ando impressionado com muita coisa. As notícias passam tão rápido nas telas que nos cegam os olhos, que eu confesso que me sinto ultrapassado, quase sempre. Quase tudo me gera estranheza. Música, filme, livro, pessoas e fatos. Aquela música que todo mundo está cantando a dias e eu nem sequer ouvi. Aquele filme que fez o maior sucesso, virou trilogia, ganhou Oscar, eu nunca nem vi. Bebês e crianças salvos, milagrosamente, da ira de um metrô e um carro. Tudo isso me deixou ultrapassado. Porque agora, o que escrevo já virou passado. Tecnicamente é como se nada estivesse dentro mesmo do seu tempo. Mas o que mais vem me impressionando são as pessoas e os livros. Ou melhor, o que elas escrevem, não necessariamente livros, mas textos, poemas e crônicas, publicados nestes tantos blog's que existem por aí. É tanta gente escrevendo bem que eu me pergunto se dessa safra será possível selecionar alguém para ser reconhecido no futuro.
Salvou-se Machado de Assis, Guimarães Rosa, Drummond e meu querido Mario Quintana. Todos lembram de Rachel de Queiroz, Cecília Meireles, Cora Coralina e minha querida Clarice Lispector. Cada um marcou o seu momento, deixou expressa sua marca na partícula infinitesimal de tempo que viveram. Mas a sensação que eu tenho é como se agora, todos resolvessem renascer. Juntos!
É como se eu estivesse vivendo ao lado de Machados, Rosas, Andrades, Quintanas, Queirozes, Cecilias, Coralinas e Clarices. É como se eles tivessem feito um acordo, algo como “já fizemos tão bem separados, o que poderemos fazer se estivermos juntos?”. É impressionante o número de pessoas que estão escrevendo, e bem. É como se através de Claras, Marcelas, Julias, Antonios e tanto outros que eu conheço, os grandes estivessem ressuscitados. E é desse questionamento que nasce este texto: Será que no meio de tantos gigantes contemporâneos, camuflados de cidadãos normais, há espaço pra mim?

6 comentários:

António Corvo disse...

Deixa eu pendurar meu diploma de psicólogo charlatão na parede... Pronto! Quando você entrar na faculdade, você vai ouvir falar muito de um tal sujeito fragmentado pelo pós-modernismo. Esse sujeito nada mais é do que todos nós, perdidos, como você, numa cultura que conseguiu, pela tecnologia, tornar atemporal o próprio tempo. Se pararmos para imaginar, de fato... O Grande Ditador, do Chaplin, no meu iPhone??? Minhas idéias para o mundo todo através de um http? Não só as minhas idéias, mas as suas, as de todo mundo! Sim, isso dá um puta medo mesmo, uma sensação de pequenez, de incômodo, de mais um na multidão, mesmo que alguns de nós reconheçam - não abro mão dessa questão ser apenas de perspectiva, mas, sigamos - uma discreta proeminência intelectual de outros alguns de nós, se é que ela há. Será que no tempo de Machado - e vamos alargar até Clarice - se houvesse a tecnologia que temos hoje, Dom Casmurro seria mais um entre tantos? Será que os contos de Clarice estariam relegados a postagens de blogs de autores atormentados pelas suas existências miseráveis de tão pequenas? O que será que projetou Clarice, Raquel, Quintana que, por seleção natural, não projetou outras Clarices, outras Raquéis e outros Quintanas? Nietzsche matou Deus, Deus matou Nietzsche, e nós matamos o tempo, não mais rápido do que ele nos mata a todos. Sim, lamento pela dor que isso possa lhes causar, mas o tempo está morto. Se você já disse ou ouviu a frase "nossa, o dia/semana/mês/ano voou", então você faz parte das criaturas abençoadas/amaldiçoadas com a percepção temporal. Você sabe que o tempo se foi, se é que já existiu...

António Corvo disse...

E não foi só o tempo, foram-se os parâmetros, os alicerces arquetípicos do que somos e de como somos. Sim, dá medo! Sim, é angustiante ligar a televisão e ver o mundo rodar em notícias mais rápido do que roda em seu próprio eixo! O que devemos saber? Devemos saber? As trilogias que não chegamos a ver não as vimos porque vieram e chegaram rápido demais! De repente Indiana Jones tem sessenta anos! Quando foi isso? Há pouco tempo ele lutava contra nazistas e de repente ele está salvando o mundo dos comunistas! E nisso tudo, Clarices e Quintanas e Drummonds e Raquéis e Pessoas escrevem mais e escrevem melhor, e a sensação de que estamos deixando alguma coisa para trás vai-nos sufocando mais e mais, numa claustrofobia em espaço aberto e virtual! Gigabytes tumulares! Pendrives sepulcrais! Não podemos mais nem mesmo morrer em paz, somos salvos automaticamente pelas ferramentas/opções. O que devemos escrever? Angústia das angústias... O que ainda não foi dito e o que já foi dito? Minha novidade é tão velha que já foi concebida morta antes mesmo de abrir o jornal (ou o site do jornal). Sim, é aflitivo, e lamento informar que não haverá melhora. Tudo parece convergir para a singularidade virtual: um único aparelho capaz de armazenar bilhões de terabytes, rodar dvd, servir de celular, geladeira, notebook... tudo ali, no bolso... Os astrofísicos já previram: o universo nasceu de um Big Bang e para um outro Big Bang retornará. Eles só se esqueceram de dizer que esse Big Bang é virtual, é tecnológico: tudo junto em um só dispositivo. Como a realidade se desfaz em buracos negros, nós também, em nossos negros pendrives e notebooks já a alteramos com photoshop, equalizadores, revisores, editores... O que é real hoje? Ora, vejam... faço a mesma pergunta que Platão fazia há mais de dois mil anos atrás!!! E ele não tinha um photoshop, nem um iPhone, nem um notebook, nem uma TV de alta definição! O que fizemos com a realidade?

António Corvo disse...

Quem detém o conhecimento hoje a ponto de escrever como Clarice, como Machado (como Alencar não, que não gosto), como Sant´anna? Quem já terá blogado a idéia que acabei de ter, mas cuja matriz é de domínio público e todos já tiveram? Havia um professor meu que dizia que, se um aluno seu pensar a mesma coisa que um filósofo pensara há décadas ou séculos atrás, dê crédito a ele, afinal, o filósofo referido apenas teve o trabalho de antecipar o pensamento do seu aluno. Talvez essa seja a questão: quem diz o óbvio em primeiro lugar. Trata-se de uma corrida, uma competição em que hoje estamos com velocidade incomparável, uma velocidade que não havia na época de Clarice, embora o seu tormento e a sua complexa ansiedade de vida fossem as mesmas de muitos de nós. É mais ou menos como quando vemos na televisão um contorcionista do circo de Pequim e dizemos: ora, isso eu também faço. Ou então, quando vamos ao museu e emburrecemos diante de instalações pós-modernas e pensamos: mas isso até meu filho de um ano faz! Faz mesmo? Só que seu filho de um ano não fez, e o artista chegou na frente! E isso faz toda a diferença. Talvez nossa sofreguidão seja não conseguir chegar na frente com a resposta óbvia a que todos podemos chegar, com o texto perfeito a que todos podemos chegar com a prática, mas não chegamos porque alguém chegou antes de nós, e esse sentimento de "estou sendo passado para trás" só piora com a velocidade vertiginosa com que o mundo hoje gira ao nosso redor, como os tentáculos de um polvo giram ao redor de sua cabeça num brinquedo que o simula no parque de diversões barato na zona norte da cidade. Obituário: Tivoli Park da Lagoa, da época em que tínhamos tempo de ir a um parque de diversões e brincar sem termos uma dezena de gadgets para nos lembrar da hora, dos compromissos, da obsolescência de nossas vidas e de nós mesmos. Quem quer chegar na frente? A vida é só um intervalo entre dois espaços vazios, antes do nascimento e depois da morte, mas isso é para ateus e para quem não lê emails, porque já circulam muitas correntes com esse pensamento. Digo e repito, a despeito da própria natureza informativa de nosso século: já dizia o rei Davi "Nada há de novo sob o sol". Se não foi ele, me perdoem, está ai o Google para quem quiser. E o que é o Google senão o nosso oráculo de Delfos, apenas sem o charme das vestais em transe. O que é o Google senão o Mágico de Oz que não foi descoberto detrás da cortina pela Dorothy. Que estrada de tijolos amarela é essa que caminhamos e onde vai dar? A angústia de não ser o único a percorrê-la... A angústia de não haver mais espaços para mim, pretenso Clarice, Machado embusteiro. Como lidar com isso? Escrevendo nossos blogs, twittando nossas dores... E se você acha isso um paradoxo, amanhã, ao acordar e caminhar na rua, percorrer a cidade, para dois, três segundos (um minuto se a vida deixar) e mude o ritmo de sua respiração a ponto de abstrair-se do cotidiano apressado da urbs. Buda! Dura é a reencarnação...

Clara disse...

Ah, meu amor...
Depois dessa você pode escrever quantos AnCiosos você quiser. hahaha
É muita honra, muito mesmo. Ser citada e comparada a nomes tão ilustres. To que não me aguento de vaidade. haha
Olha, sei que meu crivo de fofinha não é o que vale pra você, mas saiba que por ele, você é enorme, brilhante.
Te admiro demais.
beijos

Renata Salomone disse...

Queridíssimo,

Muito orgulho de você!

Penso que a incógnita do tempo só pode ser captada nos momentos em que não pensamos nele. Nos momentos em que o mundo a nossa volta deixa de ser medido em dias, horas e minutos, e passa a ser mensurado por intensidade de abraços, calores de encontros, silêncios, frescores de uma manhã qualquer.
Não me importaria saber se essa manhã foi de domingo ou de terça, mas, me encantaria o que senti, o que vivi nela. Às vezes tenho a sensação de que deixamos de viver segundas-feiras, só porque são segundas-feiras. E adiamos nossa felicidade para o final de semana.
A medida do tempo é a medida do acontecimento, por isso eu não sou. Sou eu e...

Unknown disse...

meu deuus, quanto tempo sem vir aqui, mais esse bolg faz falta ! Depois de tantas analises filosoficas e presenças ilustres ai de cima , ate me resumo em dizer que e claro que exitiu e existira sempre seu espaço, voce nasceu com varios dons um deles foi esse aii, que acrescenta a todos que se maravilham em ler o eco blog !

um beijo!