quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Quando morrer é só emagrecer

Começo este apanhado já pedindo desculpa aos que seguirem o caminho destas linhas um tanto tortas.  A partir daqui, é tudo confuso até para mim. Por isso, se há curiosidade, existe o convite. E todo o resto que vier a partir daí é coisa nossa – minha e tua, descoberta junto. Afinal, o que é um texto quando ninguém lê? O que é uma rua quando ninguém passa por ela? Sobre isso já escrevinhou Drummond, possivelmente numa tarde nublada de meio da semana, arrisco dizer. É engraçado como tem texto que deixa na gente um gosto de segunda-feira, uma vontade de espreguiçar pelo final da tarde... Espero que compreenda este devaneio bobo e seja sensível para perceber o real intuito dessa mensagem, que vem logo a seguir, sem romance, sem fábula, sem enfeite. A vida mesmo é dessas prosas confusas que sequer Nelson Rodrigues deixaria de se surpreender.
Enquanto andava pela calçada, pus-me a distrair na conversa de um pai com seu filho. O sujeito empurrava um carrinho com um bebê, enquanto ao seu lado, margeava uma criança, com uniforme de capoeira e toda a vontade do mundo para contar sobre seu dia. Acompanhei a cadência do passo e a pegada marcava o ritmo da conversa. Esquerda na frente, ele comeu macarrão no almoço “com alguma outra coisa que a tia disse que fazia bem, mas que tinha um gosto horrível.” O pai fala que “devia ser salsicha” e, inconformado, rebate “salsicha não é um cachorro?”. Direita na frente, ele não quis dormir depois do almoço, caiu “do lugar mais alto do mundo, pai, você tinha que ver hoje no recreio”. Deixei-me levar pela conversa.
Até que, de repente, o menino reage exclamado: “Olha pai, aquela flor que a gente tinha visto! Ela está diferente, né?”. A flor era dessas que vive nas calçadas de qualquer lugar. Dessas sem nome, dessas que os namorados não se presenteiam, dessas que as mães não ganham, dessas que os caixões não sentem por cima de si. Uma folha sem importância, mas que, por qualquer que fosse o motivo, o menino havia elegido adotar na vista o acompanhar de seu definhamento. O pai tenta consolar e logo avisa “ela está morrendo, filho”. O menino tira o olhar da planta, vira-se para o pai com compaixão e diz, com a voz serena, quase sussurrando: “- Não pai, ela não está morrendo. Está emagrecendo”.
Hei de confessar que poucas coisas me interessam mais do que uma criança que ainda consegue escutar o cheiro do azul - e essa, meus amigos, parecia ser capaz até de enxergar o som dos passarinhos. Ele havia feito uma revelação ao mundo, naquela esquina, falando baixo, quase sussurrando. As palavras daquele garoto entraram em mim como um sopro de lucidez. Ora, ele estava certo! O que é o desamor senão um amor que passa fome? O que é estar alegre, senão, emagrecido na tristeza?
Afinal, o que é morrer senão emagrecer de vida?
Zdzislaw Beksinski

Um comentário:

Carla B. disse...

Muito bom! Muito mesmo.....