sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Quisera agora

Quisera agora, no meio dessa chuva que escorre pela janela, abrir a porta como quem rompe o ventre e beijar a sua boca, lenta e calmamente. Calmo, como quem tem todo o tempo que ainda não gastou para perder com você.
Quisera agora, sem pedir de antemão, sem fazer aviso prévio, simplesmente sair pela rua com passos acelerados, sem notar que a chuva aumenta e a roupa já não sabe onde termina para começar a pele. Sair assim, como quem não calcula a medida do corpo e confunde o passo com a calçada molhada.
Quisera agora, de repente, sem ninguém esperar, me fundir ao caminho em que demoro em chegar até você e, nesse meio tempo, ensaiar um ou dois discursos ou desculpas que jamais usarei.
Quisera agora, sem medo de causa ou coisa nenhuma, tocar a campainha com uma mão ao mesmo tempo em que bato na porta com a outra e imaginar que você estaria a minha espera mesmo sem sequer saber que eu viria. Uma vez eu ouvi que o amor conhece o seu tempo e ali, justo naquela hora, eu estaria preparado para descobrir que isso é verdade.
Quisera agora, e só agora, por Deus, por todos os santos, saber que você pensa em mim com toda a intensidade que o faço e que está tão desejosa deste acontecimento quanto eu.
Quisera agora, pelo lençol que te cobre nessa noite fria e úmida, não me importar com a camisa, com o presente, com a barba, com a fivela do cinto e, mesmo assim, ouvir de você que nada disso importa perto de tudo que você tem guardado e que deixou abrir, junto com a porta.
Quisera agora, depois de romper as cascas de todas as casas, olhar-te bem nos olhos, como um marinheiro que, admirado, avista a lua, para descobrir que, por detrás do olho, ainda mora uma centelha pronta e alucinante para arder em brasa.
Quisera agora, depois de tudo isso, simplesmente abrir a porta como quem invade a vida e beijar a sua boca, calorosa e urgentemente. Urgente, como quem tem todo o tempo que ainda não gastou para perder com você, mas que sabe que ao teu lado, uma vida inteira será sempre insuficiente.
Gli Amanti Azzurri - Marc Chagall

2 comentários:

George Luis disse...

"sem notar que a chuva aumenta e a roupa já não sabe onde termina para começar a pele."

Vai que o mundo é teu! Faça o que você faz de melhor: usa as tuas mãos para moldar as palavras e esculpir emoções.

Ilca Maia disse...

" Urgente, como quem tem todo o tempo que ainda não gastou para perder com você, mas que sabe que ao teu lado, uma vida inteira será sempre insuficiente."
Seguindo seu amigo George,acima,essa frase está o que há de melhor!!
bjs te amo