segunda-feira, 4 de abril de 2011

Nunca

Nunca havia ganhado nada dela. Nem muita atenção, na verdade. Mas havia algo que o fazia continuar a se dar. Não precisava de muito para entregar tudo de si. Ele era desses que não dependem do Santo, o que importa é a força da oração.
Ela estava mais ou menos ali. Ele estava ali até a próxima vida. Ela perguntava se ele podia acompanhá-la. Ele antevia seus passos. E via seus pés pisando antes mesmo de levantar do chão. Amar é antever o outro. Ele sentia falta dela. Ela até sentia algo que nunca disse o que era.
Um dia, de repente, ela disse que aquele sol nascendo era seu presente para ele. Aquilo bastou para amá-la por toda vida. Ele que se acostumara a viver de catar os pedacinhos dela que caíam pela rua, havia ganhado o sol. E retrucou, de pronto. Disse que se aquele sol era dele, todos os outros seriam dela. E a lua também. E todos as estrelas que brilhariam aquela noite e em todas as noites que se seguissem a partir dali. E também todas aquelas que já não existem mais, mas que ainda conseguíamos ver. Amar é ver o que não existe.
“Ele me valeu o dia” ela disse, enquanto amarrava o cadarço dos tênis.
“Ela me vale a vida” pensou ele, enquanto olhava para dentro de si.
Ele a amava. Ela mais ou menos. Isso nunca foi amor, mas ele não sabia. Achava que por si, sustentava o amor dos dois. Coitado.
O amor é uma via de mão dupla que não permite retorno. Só é amor quando vem na contra-mão. E esse foi seu maior erro. Ele não a achava por uma razão muito simples: havia se perdido até de si próprio.
Amor é bagunça.

2 comentários:

Stella disse...

Nossa, me lembrou muito a musica do Legião Urbana, "Ainda é cedo".

"Uma menina me ensinou
Quase tudo que eu sei
Era quase escravidão
Mas ela me tratava como um rei
Ela fazia muitos planos
Eu só queria estar ali
Sempre ao lado dela
Eu não tinha aonde ir"

concordo com a mão dupla, essencial, senão...

Yan Venturin disse...

Acho que ele sou eu nesse momento. Embora ela nem mesmo o sol tenha me dado.